Congresso também teve debate sobre o novo protocolo da OMS para tratamento de pessoas com HIV/aids
O novo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o tratamento da Hepatite Viral C, elaborado pelo Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, foi um dos destaques do XIX Congresso Brasileiro de Infectologia em Gramado (RS), promovido pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
O novo protocolo foi debatido pelo diretor do DDAHV, Fábio Mesquita, e pelo professor da Unesp, João Silva Mendonça, diretor do serviço de Infectologia do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo e membro do Comitê Técnico Assessor de Hepatites Virais.
O novo PCDT de Hepatite C, que prevê o uso dos medicamentos sofosbuvir, daclatasvir e simeprevir, traz a perspectiva de que o Brasil dê um salto dos atuais 15 mil tratamentos/ano para 30 mil tratamentos/ano. Também permitirá o tratamento seguro de pacientes pré e pós-transplante de fígado e o das pessoas com HCV que tenham coinfecção com o HIV, além de manter as indicações do protocolo anterior.
A perspectiva de cura dos pacientes que serão tratados pelo novo protocolo, via oral, é de 90% ou mais, contra os atuais índices inferiores a 50% da terapia tripla com interferon peguilado, ribavirina e boceprevir ou telaprevir, com uso de medicamentos injetáveis. “Acho que isso é uma revolução por si só”, afirmou Mesquita.
Contudo, o processo para se chegar ao novo protocolo, num espaço de tempo tão rápido, teve que ser inovador para que ele pudesse beneficiar o maior número possível de pessoas com Hepatite C e ser também economicamente viável, uma exigência da sociedade civil brasileira.
Segundo explicou Mesquita à plateia, formada em sua grande maioria por infectologistas, diferentemente do processo clássico em que a indústria procura a Anvisa e pede o registro do tratamento, “foi tudo diferente no caso das hepatites”. O DDAHV abriu a discussão com a indústria farmacêutica e deixou claro que só iria discutir se houvesse um preço que o Brasil pudesse pagar. “Quando fechamos a negociação do preço, as empresas entraram com o pedido na Anvisa e nós pedimos à Anvisa que o processo fosse acelerado. O caso do daclatasvir, por exemplo, foi aprovado em tempo recorde na agência”, afirmou.
Após a aprovação dos medicamentos na Anvisa, o departamento elaborou a proposta de protocolo e a levou a debate na Conitec, aprovando o protocolo elaborado em conjunto pelo DDAHV com o Comitê Técnico Assessor. “Foi um processo em que a Conitec discutiu amplamente”, afirmou Mesquita.
A negociação deu certo. O preço dos tratamentos no Brasil está em torno de US$ 9,5 mil, com um desconto de até 95% em relação à Europa e aos EUA, onde os preços têm oscilado entre US$ 45 mil e US$ 92 mil. Em comparação com o protocolo antigo, o tratamento novo para uma pessoa tem o custo de 2,5 pacientes tratados com a terapia tripla.
O primeiro dos três medicamentos já chegou aos estoques do Ministério da Saúde. Assim que as três drogas estiverem em estoque, o país iniciará a distribuição dos remédios, o que deve ocorrer ainda este semestre.
Após Mesquita, Mendonça apresentou um estudo sobre as melhores opções terapêuticas para tratar o genótipo 3 do HCV em cirróticos e não cirróticos. Indagado se ainda indicaria interferon peguilado a um paciente, Mendonça foi categórico: “a era interferon ficou para trás. Ela tem que ter seu réquiem definitivo”. Para o professor, o medicamento só deverá ser indicado em caso de retratamento de paciente em que houve falha com as novas terapias disponíveis.
Protocolo da OMS para HIV – Após a sessão sobre Hepatite C, o Congresso recebeu uma mesa-redonda para debater as guias internacionais de tratamento para pessoas vivendo com HIV/aids, que contou também com a participação do diretor do DDAHV.
O brasileiro Marco Vitória, radicado em Genebra, representou a Organização Mundial da Saúde e contou a história da construção do novo protocolo da organização, revisado após a comunidade médica chegar a evidências consideradas cabais de que tratar todas as pessoas vivendo com HIV, independentemente da carga viral, a exemplo do Brasil e outros países, é a melhor opção para todo o planeta. "A questão agora já não é mais quando começar o tratamento, mas como fazer as pessoas terem acesso ao tratamento", afirmou.
Fábio Mesquita (DDAHV) contou a história da elaboração do atual Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para tratamento do HIV. Lançado em 2013, o protocolo brasileiro preconiza o tratamento de todas as pessoas independentemente da carga viral e foi reconhecido pelo OMS em julho passado, como uma inspiração para o novo protocolo da organização.
Anton Pozniak, do Chelsea and Westminster Hospital, em Londres, e membro da European Aids Clinical Society, indicou que o novo protocolo europeu caminha para tratar todos independentemente da carga viral. Ele relatou também sobre o debate na Europa a respeito do efavirenz, mas ficou claro que não há consenso em retirá-lo da primeira linha de tratamento. Quando isso acontece, ressaltou Anton, cada país o faz de uma maneira diferente.
Neste ponto, a OMS reforçou que o efavirenz ainda é a primeira escolha em virtude da sua compatibilidade com drogas sugeridas em outros protocolos e pela sua disponibilidade em dose fixa combinada, o que torna o custo do tratamento mais sustentável para a grande maioria dos países.